quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

MÁSCARAS


Detrás da máscara não viu o sorriso.

Era Carnaval, a liberdade trançava as pernas, bêbada, pelas ruas cobertas de confete e serpentina.

Dançaram até o dia arrebentar em cores.

Ele pensava na singularidade da vida. A parceira era um bloco só de mutismo.

Nenhuma palavra até tudo se acabar na quarta-feira.

A fantasia de pirata dele já se esfacelara.

A da parceira era um deslumbre de incoerências, alguma coisa como Deusa Egipcíaca da Beleza na Crepuscular Selva Amazônica.


Tomaram o táxi em silêncio, varrendo os pneus o lixo e o odor de mijo e esperma das ruas.

No quarto do motel tiraram as máscaras.

Ela era Hermenevaldo, transexual.

Pouco importa, disse ele. Era tarde, estava apaixonado.

Viveram felizes até o amanhecer seguinte.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O PRÍNCIPE


O sonho era quase sempre o mesmo: um homem alto, louro, vestido como um príncipe, montado em um cavalo branco, ambos imponentes.
O ruim era quando o marido a acordava.
A vida ramerrã de hábito: café, almoço, espera. Sesta, jantar, novelas.
Solidão a dois. Hora de dormir, despertador inflexível.
Um dia se cansou da vida de todo o santo dia. Envenenou o marido. O corpo, esse deu fim como vira numa novela das oito – ou seria a das dez horas da noite? Não importa, a vida imita quase sempre a arte.
Então, tinha o dia todo para ela, e por extensão para Ele, podia dormir e sonhar quanto tempo quisesse com o seu príncipe, quem sabe um dia não acordaria mais?

NATUREZA


Lua que aparece pela metade na janela.
Aranhas tecem o fio do descaso no teto.
No lugar do rosto de Judas há um buraco visível. Traças na Santa Ceia.
O olho roto de um homem de pincenê contempla a rua.
Um silêncio atravessa a paisagem enquanto o vento silva pelas frinchas das janelas.
No vaso, as margaridas murcham.
Um homem olha a paisagem.
De longe ele parece estar na paisagem.
Parece ser a natureza, ele.
Uma natureza-morta.

ESTILHAÇOS DO DIA
NA MESA DE JANTAR


Um copo pela metade. De suco. Laranja com beterraba.
Um prato semi devorado. Filé com fritas. Arroz à piemontesa. Pouca verdura.
Outro copo. De água.
Um prato quase intocado. Frango na chapa com molho de milho de verde.
Uma travessa com alface e tomate. Sem vinagre. Recipiente para aspergir o molho ao lado da travessa.
Dois nacos de pão esquecidos em uma cestinha de plástico.
Duas colheres sujas. Dois garfos deixados ao lado dos pratos.
Um guardanapo no chão.
Um filete de ketchup na toalha da mesa de jantar.
Não, não é ketchup. É sangue.
Uma faca comum. Sangue na ponta serrilhada.
Pegadas de sapatos tamanho 42 no chão impressas com um vermelho forte, tinto. Mais que tinto: rubro
Vermelho-vivo.
Rubro vívido.
Vermelho-morte.

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

Á moda machadiana, devo explicar o motivo desse blog: ele é um BALÃO DE ENSAIO para meu futuro livro EPIFANIAS.

Aqui publicarei minicontos que poderão ou não sair no livro. Os leitores - ou a ausência deles - dará o Norte desses escritos.



Abraços,



ALFREDO GARCIA